sábado, março 24, 2012

Desafios e bastidores dos Jogos Vorazes


“Harry Potter” chegou ao fim em 2011 e a “Saga Crepúsculo” terá seu último capítulo no final do ano, mas os adolescentes podem ficar despreocupados, pois “Jogos Vorazes” mais que cumpre sua função de substituir as franquias queridas de fantasia juvenil. O filme dirigido por Gary Ross (“Seabiscuit – Alma de Herói”) já é o novo fenômeno de bilheterias do cinema americano e traz às telas o primeiro livro da trilogia criada por Suzanne Collins, que vendeu milhões de cópias pelo mundo todo desde que chegou às livrarias, em 2008.
Assim como em “Crepúsculo”, “Jogos Vorazes” também tem uma garota como protagonista, e a trama envolve um triângulo amoroso capaz de deixar Stephenie Meyer com inveja. Para ajudar, o conteúdo dos livros de Suzanne pode render discussões polêmicas: a história se passa num futuro distópico, onde um governo totalitário de um país que outrora foi os Estados Unidos criou uma espécie de reality show, cujo objetivo é colocar 24 crianças e adolescentes para matarem-se uns aos outros até que apenas um sobreviva!
















“Eu achei realmente fascinante a ideia de que a nossa forma de diversão pode transformar-se neste espetáculo horrível”, comentou o diretor responsável pela adaptação, Gary Ross, durante entrevista em Los Angeles para a imprensa internacional. O diretor quatro vezes indicado ao Oscar conheceu o livro por meio de seus filhos gêmeos adolescentes e sacou na hora que aquela história da heroína de uma nação oprimida, que precisa sobreviver a um jogo brutal e manter suas convicções morais, daria um ótimo filme. “Ele tem tudo o que eu amo no cinema: desafios técnicos, grandeza, espetáculo e uma narrativa surpreendente. E fala sobre onde podemos chegar como cultura”, explicou.
Para o diretor, uma das grandes qualidades de “Jogos Vorazes” é a forma como o livro aborda o universo da adolescência, essa difícil fase na qual os jovens não são mais crianças, mas nem sempre estão preparados para as questões morais e éticas dos adultos. Segundo Ross, discutir o assunto utilizando uma história violenta foi um grande feito de Suzanne. Transpor a obra para o cinema seria, então, uma responsabilidade ainda mais pesada, já que um longa-metragem atinge um público maior e não tem o mesmo espaço e tempo para abordar todos os elementos.














“Havia muitas maneiras deste filme não honrar o livro”, concordou Nina Jacobson, uma das produtoras da adaptação cinematográfica. A primeira solução, então, foi convidar a própria criadora da história para escrever a primeira versão do roteiro. Uma tarefa nem tão difícil assim para ela, afinal Suzanne Collins produz roteiros de programas televisivos desde 1993. Programas infantis, diga-se de passagem.
A autora revelou que a ideia para “Jogos Vorazes” surgiu quando ela zapeava pela televisão e, enquanto pulava de um canal para outro, viu na sequência um reality show no estilo Big Brother e vídeos sobre a Guerra do Iraque. As duas imagens fundiram-se na cabeça de Suzanne e o estalo aconteceu. E se jovens tivessem que viver uma matança para satisfazer o desejo voyeur de uma sociedade futurista que assiste a tudo pela televisão? Claro que a premissa é praticamente a mesma de “Battle Royale”, livro de Koushun Takami adaptado para o cinema em 2000 e, que, por sua vez reflete o clássico docudrama “Punishment Park” (1971), do gênio Peter Watkins.














Em “Battle Royale”, uma classe de estudantes secundaristas é selecionada aleatoriamente entre as escolas japonesas para lutar entre si até a morte num jogo promovido por autoridades tirânicas do futuro. Mas a escritora americana garante que jamais ouvira falar dessa história até bem recentemente, quando o anúncio da produção do longa baseado em sua obra virou notícia. Ela também fica muda sobre Peter Watkins. Suzanne prefere ir mais além e compara seu livro à mitologia grega, citando Teseu e Minotauro, lembrando do sacrifício feito pelo povo ateniense, obrigado a oferecer meninos e meninas ao monstro metade humano e metade animal. E cita a história romana para arrematar. “Também fui fortemente influenciada pela figura histórica de Spartacus”, revelou. “Katniss segue o mesmo arco, de escrava a gladiadora, a rebelde que enfrenta uma guerra.”
Mas a escritora tem uma inspiração pessoal que é incontestável: o exorcismo de seus próprios fantasmas. Seus parentes participaram das duas grandes guerras mundiais e seu pai lutou no Vietnã – uma experiência que a marcaria para o resto da vida. “Você passa o tempo todo querendo saber onde ele está e esperando que ele volte para casa”, relembra a escritora, sobre a angústia dos familiares de militares. Não à toa, Katniss Everdeen, a protagonista de “Jogos Vorazes”, é uma adolescente órfã de pai. Felizmente, o pai de Suzanne retornou das florestas asiáticas, mas o horror vivido pelo tenente-coronel o visitava quase todas as noites, em forma de pesadelos.
















Por isso mesmo, ela sempre enfatiza que sua trilogia não é sobre a adolescência. “Eu escrevo sobre a guerra. Para adolescentes”, diferencia. E o que ela escreveu foi a história de um futuro no qual a América do Norte, após uma guerra, foi dividida em uma grande capital, com um governo ditatorial, e 12 distritos coloniais e extremamente pobres. Como forma de penalidade por uma antiga rebelião, esses distritos ficaram obrigados a fornecer anualmente dois “tributos”: jovens entre 12 e 18 anos, escolhidos por meio de sorteio, para participar dos Jogos Vorazes. O evento, transmitido pela TV, reúne esses 24 jovens para lutarem entre si até que apenas um sobreviva.
O livro é contado pela ótica de Katniss, que aceita participar dos jogos no lugar da irmã mais nova. No filme, a personagem é interpretada por Jennifer Lawrence (a jovem Mística de “X-Men: Primeira Classe”). Apesar de já possuir uma indicação ao Oscar (por “Inverno da Alma”), sua escalação como a protagonista provocou certa revolta entre os fãs da trilogia, que consideravam a atriz muito velha para o papel. No livro, Katniss começa a história com 16 anos – Jennifer tem 21.














A discórdia também se repetiu com o anúncio dos outros dois atores que completam o trio principal – e formam o triângulo amoroso. Liam Hemsworth (irmão de Chris Hemsworth, o Thor) interpreta Gale Hawthorne, melhor amigo e possível paixão da garota; Josh Hutcherson (“Viagem 2: A Ilha Misteriosa”) ficou com o papel de Peeta Mellark, o companheiro de “tributo” e que vira seu par romântico durante a competição. Mas a própria escritora faz questão de acalmar os fãs, mostrando que participou de todas as etapas da produção. “Toda vez que leio um livro e me apego aos personagens, sempre levo um choque quando ele sai das páginas e vai para as telas”, ela comentou, se colocando ao lado dos fãs. “Mas estamos muito tranquilos com nossas escolhas de elenco e muito felizes com esses três jovens”.
Suzanne também enfatizou que os atores ganharam os papéis em virtude dos testes e o diretor foi ainda mais longe nos elogios e garantias quanto à qualidade do elenco. “Não sei se faria o filme sem Jennifer”, afirmou, sem pestanejar. “Ela é a mais importante de todos os envolvidos, inclusive eu. Ela É Katniss Everdeen”. Ross também aproveitou para comentar a escalação do músico Lenny Kravitz, outra escolha que pode ter incomodado os fãs mais exagerados. “Ele mostrou uma tremenda empatia em ‘Preciosa’, e fiquei atraído pelo seu trabalho”.

















A rebelião dos povos oprimidos dos 12 distritos é desenvolvida apenas nos dois livros seguintes, “Em Chamas” e “A Esperança”, mas tem seu pavio aceso já neste primeiro filme – uma mudança em relação à versão literária. E foi justamente a revolução popular liderada por Katniss o que mais atraiu Donald Sutherland ao projeto. O veterano ator, que interpreta o repressivo Presidente Snow, enxergou paralelos entre a ficção e a atual realidade econômica em que se encontra o mundo, com as crescentes revoltas populares, desde a Primavera Árabe até o movimento Occupy Wall Street. “Se feito corretamente, isso pode catalisar, motivar, mobilizar uma geração de jovens que estão, na minha opinião, dormentes quanto ao processo político.”
Sutherland contou que chegou a interromper a leitura do roteiro de tão emocionado com as possibilidades levantadas pelo filme. Quando terminou a última página, ele só conseguiu sentar-se e dizer uma coisa à sua esposa: “Acho que acabei de ler algo que pode mudar tudo”.

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